domingo, 23 de novembro de 2008

O Conhecimento A Favor da Vida

Queridos blogueiros de plantão.
Como um amante incondicional da vida, apaixonado pela música e pela literatura e, claro, da filosofia, estréio hoje este blog, trazendo um pequeno trecho deste maravilhoso texto publicado no Jornal Estado de São Paulo, no dia 26/03/2008, onde a filósofa medievalista e escritora Regina Schöpke, faz a resenha deste livro fantástico, "Aprendendo a Viver", de Sêneca, que traz profunda e enriquecedora síntese da doutrina estóica. Óbvio, recomendo-o para todos.
Além de falarmos aqui sobre literatura e música, estarei trazendo semanalmente dicas de grandes álbuns musicais em lançamento e do passado, assim como dos livros em evidência no mercado. Portanto, obrigado por sua visita e seja bem-vindo.

O CONHECIMENTO A FAVOR DA VIDA

"Em todos os tempos, a filosofia tem sido alvo de ódios e paixões. Há quem julgue não existir felicidade fora dela, mas há aqueles que a vêem como um veneno e chegam a perguntar, com ar malicioso, se ela serve realmente para alguma coisa. A esses Nietzsche diz que devemos responder com tom mordaz, porque se trata de pergunta igualmente mordaz. "Ela não serve para nada", diz ele. Não serve aos poderes estabelecidos, não serve à religião, nem ao Estado. "Serve apenas para entristecer as tolices". Ou, em outras palavras, ela serve apenas à vida, em sua mais alta potência. Dizer que a filosofia está a serviço da vida pode parecer uma afirmação demasiado geral, mas no fundo quer dizer apenas que, de todas as invenções humanas, ela é a única que nos prepara e nos fortalece para o mundo. A filosofia nos ensina a viver, como mostra o filósofo romano Sêneca nas páginas de Aprendendo a Viver (coletânea de algumas de suas famosas Cartas a Lucílio. Um dos representantes máximos do "estoicismo imperial", Lucius Annaeus Seneca (4° a.C. - 65 d.C.) era enfático ao afirmar que a filosofia deve ensinar a viver e não a fazer discursos. Ele, que foi o preceptor do imperador Nero, vivia num mundo muito distinto daquele que viu nascer o estoicismo e o epicurismo (a Grécia do período helenístico ou alexandrino). Essas duas escolas, importadas como o teatro e a religião, não vicejaram em Roma por acaso. Embora derivadas da tradição socrático-platônica, as filosofias helenísticas se caracterizam por um espírito completamente novo. Elas são, num certo sentido, filosofias práticas, mais comprometidas com a existência imediata (o que combinava muito bem com o espírito pragmático dos romanos). De fato, essas "novas" filosofias deixavam em segundo plano as investigações que hoje chamaríamos de "científicas", voltando-se principalmente para a ética e a estética. Melhor dizendo: para elas, a investigação acerca da natureza é inseparável da produção de uma existência superior. Afinal, de nada adianta o conhecimento, diz Sêneca, se ele não pode tornar o homem melhor ou mais feliz.
...Mais do que os temas tratados (a coragem diante da vida e da morte, o desperdício do tempo, a virtude como o supremo bem, o distanciamento necessário do sábio, a filosofia como o lugar onde todas as inquietações se dissolvem), o mais evidente é o modo como Sêneca passeia por entre vícios e absurdos humanos. Lembrando, mais uma vez, de Epicuro, ele diz que aqueles que não vêem seus próprios pecados não podem se corrigir. E não poder se corrigir é viver à deriva, sem comando da própria existência. Talvez essa seja a lição mais profunda dessa obra: para ter alguma sabedoria nessa vida - ou alguma felicidade - é preciso primeiro ir fundo dentro de si mesmo, é preciso se enxergar para poder corrigir a própria rota. Em suma, a filosofia não serve mesmo para nada - ou, pelo menos, não serve para aqueles que julgam conhecer de cor todos os caminhos enquanto andam às cegas com uma confiança que só a mais profunda ignorância pode proporcionar."